Durante a redação científica, pesquisadores inexperientes se deparam com situações que não estão descritas nos manuais técnicos, levando-os a incorrerem no mau uso das citações. Por isso, com base nos ensinamentos do professor Gilson Volpato, elaborei um guia prático sobre o tema.
Citações e referências são termos complementares
Os estudos citados no corpo do texto devem ser organizados em uma lista de referências. A depender da norma, as citações devem conter o sobrenome de cada autor ou entidade responsável e ano da publicação (ex. AMARAL, 2017; IBGE, 2020) ou devem ser apresentadas no formato de números sequenciais, conforme a ordem de citação dos estudos.
Por sua vez, localizadas no final do texto, as referências apresentam informações adicionais sobre o trabalho citado, como título do artigo, nome do periódico, volume, página etc. De antemão, recomendo o uso de algum software de gerenciamento de referências, para que você NÃO precise inserir essas informações manualmente.
Toda frase precisa de referência?
Basta ler artigos publicados em boas revistas científicas para perceber que nem toda frase possui referência. Isso acontece porque os autores possuem autonomia para incluírem frases que deem coerência e fluidez à leitura. Além disso, existem afirmações que com o passar do tempo foram se tornando irrefutáveis, dispensando comprovação empírica ou teórica.
Por exemplo, para dizer que “no oceano existem muitas espécies de peixes”, não faz o menor sentido incluir referência, pois essa afirmação é inquestionável. Da mesma forma, para dizer que “as vacinas são seguras e eficazes contra inúmeras doenças”, novamente não há necessidade de se fazer menção a nenhum estudo, uma vez que esse discurso é amplamente aceito pela comunidade científica. É justamente nesse ponto que os pesquisadores mais erram, pois atribuem autoria a discursos consensuais e totalmente genéricos.
Veja exemplos de afirmações que NÃO precisam de referência:
- A população mundial está envelhecendo;
- Exercícios físicos são importantes para a saúde;
- Investimento público é necessário para que o Sistema Único de Saúde (SUS) oferte serviços de boa qualidade;
- O futebol feminino não goza dos mesmos privilégios que o futebol masculino.
Por outro lado, existem afirmações mais específicas e que não estão disseminadas na sociedade, necessitando, portanto, de embasamento empírico ou teórico. Veja alguns exemplos:
- Exercício físico estimula a liberação de neurotrofina X (SOARES et al., 2019);
- A taxa de homicídios no Estado de São Paulo é de X a cada 100 mil habitantes (IPEA, 2018);
- Tabagismo aumenta o risco de câncer em X vezes (PEREIRA et al., 2015);
- A reserva cognitiva é definida como … (AMARAL, 2005).
Em resumo, antes de citar algum estudo, observe se a sentença precisa de embasamento. Se a ideia for genérica, consensual e amplamente difundida, transmita-a com suas próprias palavras e NÃO cite nenhum estudo.
Citação direta
A citação direta consiste na reprodução ipsis litteris de uma parte de outro trabalho, geralmente usada em construções teóricas nas quais os autores buscam dialogar com elucubrações anteriores. Pensando em uma aplicação prática, pode-se transcrever um trecho relevante de uma obra, propondo, em seguida, novas reflexões sobre o tema.
Segundo a NBR 10520, citações diretas com até 3 linhas devem ser inseridas no texto, entre aspas. Por exemplo:
Em uma passagem do Craque Daniel, ele afirma que “quem não odeia ninguém não tem coração.” (FURLAN; LEITE, 2020, p. 27).
Segundo a NBR 6023, nas referências de livros os elementos essenciais são autor(es), título, edição, local, editora e data da publicação. Sendo assim, a referência ficaria da seguinte maneira:
FURLAN, D.; LEITE, P. Você não merece ser feliz: como conseguir mesmo assim / Craque Daniel. 1 ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020. p. 27.
Se a citação tiver mais do que 3 linhas, deve-se criar um parágrafo modificado com as seguintes especificações:
- Fonte com tamanho 10;
- Recuo de 4 cm em relação à margem esquerda;
- Espaçamento simples;
- Espaçamento de 1,5 entre o texto e a citação;
- Sem aspas e com número de página.
Exemplo:
IMPORTANTE: Copiar e não citar a referência configura plágio, mesmo se o trecho copiado for de sua autoria (autoplágio). ATENÇÃO: o excesso de citações diretas indica falta de empenho do autor, pois copiar demanda menos esforços do que escrever de maneira ativa e criativa.
Citação indireta
Na citação indireta, o autor interpreta uma informação e a transmite com suas próprias palavras. A despeito da área do conhecimento, esse é o tipo de citação predominante nos trabalhos acadêmicos.
RECAPITULANDO: cite o estudo que demonstrou ou que teorizou algo. Não é porque fulano fez uma afirmação genérica, que ele precisará ser citado caso você queira dizer algo parecido.
Nas citações indiretas não se usa aspas e o número da página é opcional. Observe a figura abaixo.
Autor no meio ou no final da frase?
Veja os exemplos:
- Segundo Soares et al. (2021), os exergames melhoram o desempenho cognitivo de pessoas idosas.
- Soares et al. (2021) demonstraram que os exergames melhoram o desempenho cognitivo de pessoas idosas.
- Os exergames melhoram o desempenho cognitivo de pessoas idosas (SOARES et al., 2021).
Embora as citações estejam corretas, perceba que a última frase é mais objetiva. E a objetividade é justamente uma das características principais do texto científico. Além disso, a inclusão dos autores no meio frase pode quebrar o ritmo da leitura, especialmente se o sobrenome for pouco conhecido ou se a pronúncia for difícil. Portanto, como regra geral, deixe o sobrenome e o ano da publicação no final da frase.
Citação de citação
Imagine que Gonçalves (2016) citou Soares (1983) e que a referência que lhe interessa é a mais antiga, e não a que você acabara de ler. Então, você procura o trabalho de Soares (1983), mas não o encontra em nenhuma base de dados. Em seguida, tenta entrar em contato com o autor, mas não obtém sucesso. Diante disso, é possível citar Soares (1983) mesmo sem ter lido o seu trabalho usando o recurso da citação de citação. Exemplo:
- A cognição… (SOARES, 1983 apud GONÇALVES, 2016).
- Segundo Soares (1983) apud Gonçalves (2016), a cognição…
O termo “apud” indica que você está transmitindo uma informação de segunda mão. E é aqui que mora o perigo. Afinal, se Gonçalves (2016) interpretou erroneamente o trabalho de Soares (1983), então você disseminará uma informação equivocada. Em revistas de grande prestígio, os editores dificilmente aceitariam esse tipo de construção textual. Por isso, cite somente os trabalhos que você teve acesso.
Quantidade não torna a afirmação mais crível
Há uma percepção equivocada de que quanto mais estudos forem citados, mais crível será a afirmação. No entanto, a repetição de uma premissa frágil não a torna mais verdadeira. Afinal, a validade das descobertas depende do método, e não da repetição do discurso. Por isso, concentre-se nos melhores estudos. Na maioria das vezes, citar apenas um estudo já é o suficiente. Inclusive, muitas revistas restringem a quantidade de referências por artigo, incentivando os autores a serem mais criteriosos em suas escolhas.
Elimine dúvidas quanto à autoria
Autor no começo ou no final do parágrafo não necessariamente será responsável pelo parágrafo inteiro. Como regra, cada evidência carrega o estudo correspondente. Veja os exemplos:
- Soares et al. (2019) identificaram que o goleiro usa mais os pés do que as mãos durante as partidas de futebol. O mando de campo não modifica a frequência de ações técnicas.
Perceba que não é possível saber se as afirmações vieram do mesmo estudo. Se sim, o trecho ficaria mais apropriado da seguinte maneira:
- Soares et al. (2019) identificaram que o goleiro usa mais os pés do que as mãos durante as partidas de futebol. Além disso, observaram que o mando de campo não modifica a frequência de ações técnicas.
Se as evidências não pertencerem ao mesmo estudo, cite o estudo corresponde a cada evidência:
- O goleiro usa mais os pés do que as mãos durante as partidas de futebol. (SOARES et al., 2019). Por sua vez, o mando de campo não modifica a frequência de ações técnicas. (SILVA et al., 2021).
Cuidado com o excesso de citações no final da frase
O excesso de afirmações e a apresentação de uma sequência de estudos no final da frase geralmente incorre em ambiguidade. Por exemplo:
- O exercício intenso melhora a memória, a função cardiorrespiratória e aumenta a massa muscular (SOARES et al., 2005; HERRERA et al., 2008; SATO et al., 2010).
Esse exemplo sugere que todos os estudos fizeram as mesmas descobertas, o que é bastante improvável. Por isso, reescreva da seguinte maneira:
- O exercício intenso melhora a memória (HERRERA et al., 2008), a função cardiorrespiratória (SATO et al., 2010) e aumenta a massa muscular (SOARES et al., 2005).
Dicas finais
- Prefira artigos científicos a qualquer outra fonte de informação;
- Só cite os estudos que você teve acesso;
- Não faça citação de citação;
- Use software de gerenciamento de referências;
- Não tente persuadir o leitor com base em evidências frágeis ou provenientes de modelos animais. Seja honesto em seu discurso;
- É preferível errar pelo excesso a cometer plágio por ausência de informações. Ou seja, na dúvida, cite!
Referências
- ABNT. NBR 10520: Informação e documentação – citações em documentos – apresentação. Rio de Janeiro, 2002.
- ABNT. NBR 6023: Informação e documentação – referências – elaboração. Rio de Janeiro, 2002.
- VOLPATO, G. Dicas para redação científica. 4 ed. Botucatu, SP: Best Writing, 2016. p. 81-96.